05 01 Notícia PENAlguns assuntos abordados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste terceiro mandato, merecem ser destacados. Começo com uma fala importante sobre precisarmos de livros, em vez de armas nas mãos dos cidadãos brasileiros, pois, são nos livros, por exemplo, que podemos começar a desmistificação do setor nuclear neste país, se quisermos ter um futuro como uma nação competitiva no que tange à ciência, tecnologia e inovação. É fundamental que a educação também se atenha a eliminar os preconceitos envolvidos nas palavras “radiação” e “nuclear” à luz de termos um futuro justo e diversificado das matrizes energéticas brasileiras.
O setor nuclear sozinho não é o caminho e muito menos a solução para os problemas energéticos, mas com toda certeza é a grande parcela que poderá contribuir para continuarmos com os avanços tecnológicos no campo da energia, da sustentabilidade ambiental e, sobretudo, da medicina. Quando se ouve as palavras “energia limpa”, o que vem à mente? A maioria pensa imediatamente em hidrelétricas, painéis solares ou turbinas eólicas, mas quantos pensam em energia nuclear? A energia nuclear é frequentemente deixada de fora da conversa sobre “energia limpa”, apesar de ser a segunda maior fonte de eletricidade de baixo carbono do mundo, atrás da energia hidrelétrica e, ter sido considerada pela União Europeia, em 2022, como energia verde.

A matriz energética brasileira deve ser diversificada, mas devemos aumentar o porcentual na nuclear. O “Nuclear Energy Institute” diz que os parques eólicos exigem 360 vezes mais área de terra para produzir a mesma quantidade de eletricidade e as usinas solares fotovoltaicas exigem 75 vezes mais espaço. Para colocar isso em perspectiva, é preciso de mais de 3 milhões de painéis solares para produzir a mesma quantidade de energia que um reator comercial típico ou mais de 430 turbinas eólicas (fator de capacidade não incluído). O combustível nuclear é extremamente denso em energia (uma pastilha de urânio com aproximadamente 2,54 centímetros de altura equivale a uma tonelada de carvão ou 120 galões de petróleo ou ainda quase 480 m3 de gás natural). Ou seja, cerca de um milhão de vezes maior do que outras fontes tradicionais de energia e, por isso, a quantidade de combustível nuclear usado não é tão grande quanto se imagina.

A educação nuclear e sua desmistificação devem acontecer desde cedo, através de profissionais competentes do setor, incentivando a reciclagem e as especializações dos professores de ciências de ensino básico. A mudança acontece com as crianças. Então, comecemos a ensinar corretamente que energia nuclear não é apenas bombas e acidentes. Acidentes estes que acontecem em uma escala muito pequena para as grandes repercussões dadas. Hoje, os atuais engenheiros nucleares formados no Brasil pela UFRJ, única faculdade que forma integralmente engenheiros nucleares, tem como docentes, em sua maioria, em especial por óbvio, na parte profissionalizante do curso de graduação, bacharéis em física. Sim em física. Isso porque a história Nuclear no Brasil se iniciou a partir da pós graduação do setor, na Era Vargas, diferentemente dos outros cursos de pós-graduação. Isto torna a área nuclear tão especial e estratégica, merecendo uma pasta exclusiva no novo Governo Federal. Não reconhecer o valor desses profissionais é negar nossa história e, muitos ou quase todos, optaram por serem também pesquisadores.

Todavia, não podemos esquecer outro ponto tocado no discurso de posse do presidente Lula: democracia para todos. Democracia para todos na educação de ensino superior é ter investimento para fortalecer os cientistas e, por conseguinte, reajustar as bolsas de mestrado, doutorado e de pesquisadores para que continuemos motivados dentro da Ciência. A mesma é dispendiosa e, por muitas vezes, temos que colocar dinheiro do próprio bolso para que uma pesquisa siga seu curso. Precisamos de mais incentivo com um leque inovador e abrangente no setor. Precisamos aumentar as cotas de bolsas da nossa pós-graduação pelos Órgãos de Fomento do Governo.

Precisamos de políticas públicas que façam com que o engenheiro nuclear queira continuar e estabelecer sua carreira no nosso país, ou pelo menos, que tenha incentivo para voltar à pátria após obter conhecimento e experiência no exterior. Isso não significa que os que aqui estão são rejeitos intelectuais. Não! Eles tocam esse país como engenheiros nucleares que são ou como mestres e doutores em engenharia nuclear que são, porém não estão devidamente valorizados. Precisamos entender que pesquisadores bolsistas, os alunos de mestrado e de doutorado, vivem exclusivamente do dinheiro dessas bolsas, sem poder ter empregos, o que os limita em demasia no desenrolar de suas vidas, pois precisam ser inseridos no mercado de trabalho. Temos que ter um plano de carreira factível com a demanda do setor, tanto privado quanto público.

Os físicos com mestrado e doutorado em engenharia nuclear também não podem ser esquecidos nos futuros concursos, cada vez mais escassos. Mais uma vez insisto nesse ponto, pois nossos engenheiros nucleares genuinamente brasileiros, ainda estão em fase inicial de experiência de campo. Temos que aumentar as vagas de estágios nas empresas do setor, e, sobretudo, uma cultura do “não medo” quando falamos de energia nuclear e de radiação. Um outro ponto a ser mencionado é o hidrogênio verde. Sabemos que a curto prazo o mundo exigirá milhões de toneladas de hidrogênio limpo. Contudo, o hidrogênio só pode contribuir plenamente para uma descarbonização profunda se for produzido a partir de fontes de energia com baixo teor de carbono e se houver geração suficiente de eletricidade de baixo carbono para produzi-lo.

A curto prazo, o hidrogênio pode ser produzido por meio de um processo chamado “eletrólise da água” que, como o próprio nome indica, requer insumos de água e eletricidade. O hidrogênio da eletrólise da água só é de baixo carbono se usar eletricidade do vento, energia solar fotovoltaica, energia hidrelétrica ou energia nuclear. A médio prazo, são esperadas inovações que também permitirão que o hidrogênio seja produzido de maneiras diferentes e mais eficientes, inclusive a partir de tecnologias nucleares avançadas, como pequenos reatores modulares (SMRs) de próxima geração.

Por fim, porém não menos importante, não posso esquecer do nosso teto de vidro, como relata reportagem da Folha de S. Paulo, oriunda de dados da Unesco, que provam haver uma barreira para o avanço de pesquisadoras no mercado de trabalho. Nós mulheres, somos apenas 3 de cada 10 ocupações na ciência, tecnologia, engenharia e matemática no Brasil, embora representemos 44% da força de trabalho. Sem falar que somos menos de 3% a ocuparem cargos de lideranças nas áreas de pesquisas em ciência e tecnologia no nosso país. Já temos um avanço quanto à licença maternidade para mestrandas e doutorandas com bolsas de fomento do Governo Brasileiro, porém nada se fala quanto as pesquisadoras de pós-doutorado, ficando todas à mercê das Instituições de Ensino Superior, que muitas vezes não tem nada regulamentado, como se estas mulheres não existissem. E, portanto, o Ministério da Mulher, da Família e da Cidadania é tão importante e fundamental, em especial na área nuclear, que é altamente subjugada.

Termino esse pequeno texto sem ser na voz passiva propositalmente, digo e repito: não há milagres, mas o olhar de hoje para obtermos um futuro sustentável, limpo e seguro sob a democracia para todos é um olhar baseado em políticas públicas profundas na área nuclear, com investimento na parcela feminina brasileira.

AUTORA - INAYÁ LIMA – Bacharel em Física pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mestrado e doutorado em Engenharia Nuclear, coordenadora do Programa de Pós Graduação em Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ e vice- chefe do departamento de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da UFRJ.

Fonte: Tania Malheiros - Jornalista 
Créditos da foto: Ana Campbell

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